Apontamentos para a história das Danças Nicolinas (conclusão)


As danças de S. Nicolau são, de todos os números das Festas Nicolinas, aquele que está mais marcadamente ligado às origens destas festividades. Já no século XVII os estudantes de Guimarães exibiam as suas danças, comédias e folias, nomeadamente para financiarem a construção da Capela de S. Nicolau.

Ao longo do tempo, estas manifestações foram evoluindo. No início eram exibições de teatro de rua, de cariz jocoso e burlesco, cujos intérpretes declamavam, cantavam e dançavam nas ruas, ao som do de tambores e pandeiros. Estas demonstrações tinham um cariz eminentemente carnavalesco, em que os estudantes apareciam mascarados, tradição que nas primeiras décadas do século XIX já era classificada como muito antiga (em 1827, o cónego Pereira Lopes escreveu no seu diário que nos dias 5 e 6 de Dezembro daquele ano, saíram mascarados os estudantes como nos tempos remotos costumavam andar). Por aquele tempo, as autoridades, com a pretexto da manutenção da ordem, proibiam, recorrentemente, os estudantes de saírem à rua com máscaras. Eram, então, frequentes os conflitos entre os estudantes e aqueles que, não gozando do foro escolástico, se introduziam nos seus festejos, com as identidades ocultadas por máscaras.

Como vimos, Feliciano de Castilho referia-se às festas dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau como uma máscara histórica, onde tinha lugar uma dança dos mascarados. Em 1865, o Vimaranense classifica estas festas como a clássica mascarada dos estudantes desta cidade, como festejo ao seu padroeiro S. Nicolau.

As danças dos estudantes aconteciam sempre no dia 6 de Dezembro (as excepções, aliás raras, resultaram de adiamentos forçados pelas condições climatéricas). Eram exibições de rua em que eram apresentados quadros humorísticos protagonizados por estudantes. Também eram executadas a algumas casas particulares, onde se dava de comer e de beber aos jovens artistas, como se lê no programa das festas de 1901:

                              Depois a dança da China,
                              Grande pagode chinês.
                              Há vinhinho e gelatina
                              Como não há muita vez
                              Em casa de gente fina.

Ao longo de décadas, as danças vão evoluindo no sentido de serem subtraídas à rua. Em 1856, terminaram, à noite, no Teatro D. Afonso Henriques (esse 6 de Dezembro foi chuvoso, pelo que, durante o dia, foram poucas as exibições dos mascarados). Esta terá sido a primeira vez em que as danças aconteceram num teatro. O relato que então fez o jornal Tesoura de Guimarães afigura-se surpreendentemente actual:

O Teatro D. Afonso Henriques estava tão cheio, que muita gente não pode entrar por falta de lugar, e outras se retiraram por incomodadas. Foi uma noite cheia, em que a juventude escolástica nada poupou para tornar-se agradável ao sexo encantador. Terminou o festejo era uma e meia hora.

Nos anos que se seguiram, as danças terminavam as suas exibições debaixo do tecto do Teatro. A partir de finais do século XIX, as folias estudantis de 6 de Dezembro iniciavam no Teatro D. Afonso Henriques o seu périplo pelas ruas da cidade.

Em 1906, segundo o Imparcial, muitas famílias presenciaram no teatro as danças, sendo os estudantes muito aplaudidos. Em 1912, as danças exibiram-se primeiro no teatro e depois nas ruas, modelo que se repetiu nos anos seguintes. Progressivamente,  iam passando para o interior do Teatro, mas sem que deixassem de ser exibidas nas ruas. Anos houve em que se fizeram duas exibições no Teatro, para corresponder ao interesse do público. Com o andar do tempo, a tendência seria para as danças abandonarem definitivamente as exibições nas ruas, passando a representar-se no espaço fechado das casas de espectáculos, com manifesto prejuízo para a sua dimensão de manifestação popular.

A partir de meados do século XX, num contexto de divisão, nem sempre pacífica, entre novos e velhos nicolinos, as danças de S. Nicolau vão sendo, paulatinamente, assumidas pelos antigos estudantes.

Nos tempos que correm, persistem, fazendo gala da sua eterna jovialidade, tendo sabido adaptar-se aos tempos. Hoje, as antigas folias de rua apenas perduram como memória remota e com alguns resquícios no cortejo da entrega das maçãs. As danças propriamente ditas, são hoje coisa dos velhos e mantêm a condição de comédias, saudavelmente desbragadas e incontinentes, agora seguindo um modelo próximo do das revistas. Acontecem em sala de espectáculos (antes passaram pelo D. Afonso Henriques, pelo Gil Vicente, pelo Jordão, pelo Auditório da Universidade; agora, vêm à cena no CCVF e não me admiraria que, mais ano, menos ano, passassem para o Multiusos, tantos são os que se queixam de não poderem assistir ao espectáculo, por escassez de lugares disponíveis).

Ps: Recorda-me o meu amigo Ricardo Gonçalves que as danças dos velhos também se exibiram, nos anos de 1994 (com textos de Ricardo Gonçalves, Casimiro Silva, Fernando Capela Miguel e Rolando Sampaio) e 1995 (com roteiro e letras de A. Meireles Graça), no Cinema S. Mamede.

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2 Comentários

Ricardo disse…
Em 1994 e 1995, se não me falha a memória, foram também exibidas no Cinema S. Mamede.
Obrigado. Essa memória não falha!