Quando, num dia do Inverno de 1892, Ana Monteiro
foi saldar uma conta ao estabelecimento de um industrial de S. Martinho de
Leitões, não imaginava que iria sair de lá para o hospital de Guimarães com uma
bala alojada debaixo do olho esquerdo e desenganada da sua sorte, à espera da sua horinha. Se a história
vivida por esta senhora naquele dia fatídico era, até aí, singular, o seu desfecho
inesperado acaba por demonstrar que a vida real também tem o seu quê de nonsense. Aqui fica, tal como a contou o
jornal Religião e Pátria.
Uma
bala saída pelo nariz
Deu-se há tempo na freguesia de S.
Martinho de Leitões, Taipas, um caso original que é certificado por pessoa
competente, e que pode facilmente ser constatado por quem duvidar, diz o nosso
esclarecido colega “Comércio do Minho”.
Há ali
um fabricante de cotins, em casa do qual compareceu Ana Monteiro, com o fim de
lhe pagar uma pequena dívida.
Estava lá na mesma ocasião uma rapariga
dos seus 20 anos, parente do fabricante.
Como
quer que Ana Monteiro visse uma gaveta com bastante dinheiro em cobre, disse gracejando
para o dono da casa:
— Ali podem-se encher as mãos..
Ao que o fabricante retorquiu:
— Mas também lá está quem o guarde.
Referia-se a um revólver que estava na
mesma gaveta, sobre o dinheiro.
A parente do dono da casa pegou no revólver
para o examinar; mas com tanta infelicidade que a arma disparou-se, indo a bala
alojar-se no rosto de Ana Monteiro, por baixo do olho esquerdo, junto ao nariz.
Houve gritos, cheliques, clamor; a mulher derramou muito sangue, e
foi sacramentada porque a julgaram gravemente ferida e ela dizia que morria.
Compareceu o médico. Analisado o
ferimento, não se atreveu a extrair a bala e mandou
recolher a infeliz no hospital
de Guimarães.
Ali esteve a pobre mulher o primeiro dia,
muito aflita e assustada, à espera da sua horinha, como ela dizia.
Vai senão quando, à noite,
começa a sentir vontade de assoar-se. Comprimiu
o nariz, puxou com quanta força teve, e sentiu cair no lenço uma coisa pesada…
Era a bala!
Saíra-lhe pela narina direita, tendo
atravessado o canal na parte superior quase sem ofender o osso.
Foram dispensados os cuidados médicos. A
mulher voltou para casa pelo seu pé, muito satisfeita por ter escapado tão inesperadamente
a uma operação dolorosa em que o seu nariz não
levaria a melhor, e à qual nem mesmo poderiam subtraí-la aos foros inalienáveis
de senhora do seu nariz.
Religião e
Pátria, Guimarães, 14 de Dezembro de 1892
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