Da água e dos seus usos (5)


Fotografia de Eduardo Brito

 
Tendemos a acreditar que, no passado, a meteorologia teria, na sucessão das estações do ano, uma regularidade aproximada da constância imutável do tempo cronológico. Ao Verão quente e seco, sucedia o Outono, mais fresco e chuvoso, que acabava no Inverno, que era frio e molhado, a que se seguia a Primavera, de tempo mais ameno, se bem que húmido. O ritmo da vida dos homens seguiria a marcha do tempo cronológico e meteorológico e o calendário agrário ajustava-se a essa regularidade. Esta visão idealizada do clima de outrora está longe de corresponder à realidade vivida pelos nossos antepassados.

A verdade é que as inconstâncias meteorológicas não são, longe disso, apenas uma realidade dos tempos que correm. Aliás, no passado, os seus efeitos eram bem mais nefastos do que nos nossos dias. Olhando para os registos de que podemos dispor, facilmente se conclui que a irregularidade dos elementos climáticos era, afinal, bastante normal.

No passado, o maior problema que afectava a população da região de Guimarães, como a de qualquer outro lugar, no que respeita aos elementos meteorológicos, prendia-se com a água: muitas vezes, a chuva faltava, secando a terra e impedindo que frutificasse; outras caía em excesso, inundando os campos, destruindo sementeiras e dificultando a recolha dos frutos.

Para o passado remoto, não possuímos registos meteorológicos quantitativos precisos. Não obstante, dispomos de outros elementos que nos permitem perceber até que ponto as variações climáticas afectavam a vida das gentes. Da observação sistemática dos registos das procissões de preces e das penitências para que chovesse ou para que fizesse sol, podemos desenhar um exemplo esclarecedor: um homem que tivesse nascido em Guimarães em 1821 e que tivesse gozado uma longevidade excepcional, para aquele tempo, sobrevivendo até ao último dia do século em que nasceu, dos oitenta anos que teria durado a sua existência, em trinta e dois teria sido testemunha de crises meteorológicas. Algumas dessas crises, pelas suas consequências, deveriam ter ficado profundamente gravadas na sua memória, como sucedeu no ano fatídico de 1847, em que se sucederam as preces a pedir chuva, pois a seca e o calor tinham impedido que nascessem os restivos, não havendo esperanças de que as terras secas dessem fruto algum.

Todos os dias havia orações nas igrejas, porque a seca era grande, a ponto de se recear uma grande falta de pão. As consequências foram terríveis. No mês de Agosto morreram inúmeras crianças, de bexigas e diarreias. Dia houve em que eram sepultadas às oito e dez. As crianças eram, de facto, as mais vulneráveis às afecções de carácter infeccioso que facilmente se propagavam nos períodos de calor e de seca, em que as águas escasseavam e em que se recorria, muitas vezes, ao abastecimento com águas impróprias para consumo humano.

As contingências meteorológicas, especialmente as secas cíclicas que devastaram esta região em finais do século XIX, contribuíram significativamente para que se procurassem novas soluções de captação, condução, tratamento e distribuição de água susceptíveis de assegurarem o abastecimento público sem descontinuidades, minimizando os efeitos de crises que poderiam ter efeitos catastróficos.

A partir de: Mãe-d'água: centenário do abastecimento público de Guimarães, ed. Vimágua/Sociedade Martins Sarmento, 2007.

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