Os papéis da Colegiada

Em meados do século XIX, os papéis e pergaminhos da Colegiada anteriores ao ano de 1600 foram objecto de uma acesa disputa entre o Estado, que pretendia a sua transferência para a Torre do Tombo, e o Cabido da Colegiada, que defendia o direito à manutenção, no local de origem, da integridade da documentação do seu velho cartório.

Em Agosto de 1854, Alexandre Herculano esteve em Guimarães em representação da Academia Real de Ciências, com o objectivo de examinar os documentos da Colegiada, tendo em vista a sua transcrição e posterior publicação nos Portugaliæ Monumenta Historica. Na Colegiada esbarrou na resistência do Cabido, que temia que a inspecção tivesse como finalidade criar condições para a transferência dos documentos para fora de Guimarães. A resistência dos cónegos não foi suficiente para vedar a Herculano o acesso ao arquivo da Colegiada. Todavia, chegou para impedir que os seus documentos fossem levados nessa altura de Guimarães para Lisboa.

Numa portaria de Setembro de 1857, anunciou-se a vinda a Guimarães de um delegado que iria recolher os documentos que Alexandre Herculano tinha arrolado na sua visita de 1854, com o propósito de proceder à transferência temporária de parte do arquivo da Colegiada, para que fosse copiado e publicado. No início de 1858, Augusto Soromenho já se encontrava na cidade, enfrentando a resistência do Cabido, numa contenda que se estendeu por vários meses, sem que o representante do Estado conseguisse superar os embargos dos cónegos. Os papéis continuaram na Colegiada.

A situação iria alterar-se quatro anos mais tarde. Em 2 de Outubro de 1862, foi publicado um decreto que ordenava a transferência para a Torre do Tombo dos arquivos ou cartórios das igrejas e congregações religiosas, devendo a mesma transferência começar desde já com relação aos documentos anteriores ao ano de mil e seiscentos, ou seus traslados, ainda que mais modernos. Quando o comissário do governo chegou a Guimarães, em meados de Março de 1863, os cónegos trataram, mais uma vez, de contrariar a transferência de documentos do seu arquivo histórico, levantando empecilhos ao trabalho de Soromenho. Porém, antes do final da aquele mês, já os documentos da Colegiada anteriores ao século XVII estavam prontos para serem conduzidos para a Torre do Tombo.

Todavia, parte da documentação anterior ao ano de 1600 iria permanecer em Guimarães. O Abade de Tagilde escreveria, meio século mais tarde: nem todos os documentos foram recolhidos na Torre do Tombo; alguns deles estavam em lugares escusos e não foram certamente lobrigados por Augusto Soromenho. Quem encontrou parte dos documentos em falta foi o incansável paleógrafo e documentalista João Lopes de Faria, como se pode ler numa das suas Efemérides Vimaranenses, referente ao dia 15 de Janeiro de 1891:

O Padre Abílio Augusto de Passos, cartorário ajudante da Colegiada, em exercício, por ausência do cartorário proprietário, por influência de mim João Lopes de Faria, manda arrombar a porta dum quarto escuro, de junto ao cartório no 1º patamar da casa capitular, por não saber da chave, e encontramos aí em duas caixas: 13 tombos in fólio encadernados em madeira coberta de couro e com pregagem amarela, em que estão exarados com autenticidade os documentos relativos a Padroados, Testamentos e Doações 2, Sentenças da Fazenda 2, Ditas Eclesiásticas 3, Coutos, Privilégios, Transacções, Contratos, Reconhecimentos; 3 livros de notas em pergaminho; Tombo antigo de Tolões, alguns prazos e 178 pergaminhos. Foram retirados do arquivo e escondidos aqui em 185[7] quando se tratava de levar parte do arquivo para a Torre do Tombo. Os 2 cónegos que existiam vivos, não sabiam da existência aqui de tais documentos, porque foram capitulares; e o cónego João Ferreira Mendes de Abreu, que era um dos dois, estranhou muito não se lhe pedir licença para fazer o arrombamento.

No Arquivo da Universidade de Coimbra está depositada uma colecção de 112 documentos da Colegiada de Guimarães, adquirida pelo Estado em Maio de 1944. Essa colecção inclui 55 pergaminhos medievais (entre os quais se conta o documento mais antigo daquele Arquivo, uma carta de doação do ano de 983) e 57 documentos em papel. Trata-se de documentação que foi retirada do Cartório da Colegiada de Guimarães entre Abril de 1842 (data de uma carta de venda que está incluída neste fundo documental) e Agosto de 1854 (data do inventário de Herculano, onde estes documentos não constam). Foi comprada pelo Estado, em 1944, que a entregou à Universidade de Coimbra.

Para além dos documentos que se encontram guardados na Torre do Tombo, o acervo do antigo arquivo da Colegiada de Guimarães encontra-se actualmente disperso pelo Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, pelo Cartório da paróquia de Santa Maria da Oliveira, pelo Arquivo da Universidade de Coimbra e pela Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento.

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